- Desafios e possibilidades
Um dos desafios da Igreja, no nosso tempo, é fazer chegar o Evangelho ao coração dos adolescentes e jovens. Como fazer com que eles se entusiasmem pela Boa Nova do Evangelho? Como ajudá-los a descobrir que este anúncio é capaz de dar sentido e frescor à vida?
Não é fácil responder a estas questões. Tanto é verdade que à pedido do Papa Francisco o tema da Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos, em outubro deste ano, em Roma é “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. É preciso ouvir e deixar-se interpelar pelos jovens se a Igreja quer ser fiel à sua missão evangelizadora.
Tratando-se da catequese para adolescentes e jovens será importante considerar os parágrafos 195 e 196 do Diretório Nacional da Catequese. Ele nos fala das características e, ao mesmo tempo das possibilidades em trabalhar com os adolescentes.
No esforço de compreender os desafios e descobrir as possibilidades da evangelização dos adolescentes, encontramos no Documento “Evangelização da juventude” (Doc. 85 da CNBB), algumas indicações importantes.
Algumas anotações são sugestivas (Doc. 85, 10-15):
“Conhecer os jovens é condição prévia para evangelizá-los. Não se pode amar nem evangelizar que não se conhece”.
Com a modernidade surgiu uma nova atitude das pessoas diante da vida, onde o centro é ocupado pela razão; há um grande anseio pela liberdade, a igualdade e fraternidade.
Ao lado da modernidade, hoje, ganha espaço a cultura pós-moderna, caracterizada pela grande velocidade e volume de informação, rapidez na mudança do dia-a-dia por parte da tecnologia, novos códigos e comportamentos. Tudo isso tem um impacto muito forte sobre os jovens devido à globalização e ao poder de comunicação dos meios eletrônicos.
Na cultura pós-moderna, os valores da modernidade continuam sendo importantes para os jovens: a democracia, o diálogo, a busca de felicidade humana, a transparência, os direitos individuais, a liberdade, a justiça, a sexualidade, a igualdade e o respeito à diversidade. Uma Igreja que não acolhe esses valores encontra dificuldades para evangelizar os jovens.
O Documento 85 partindo destas primeiras considerações diz que alguns traços da pós-modernidade ficam mais evidentes, merecendo da nossa parte uma maior atenção.
SUBJETIVIDADE: o ideal coletivo dos anos 1970-1980 de construir um mundo melhor foi sendo substituído por uma maior preocupação com as necessidades pessoais, com os sentimentos, com o próprio corpo, com a melhora da auto-estima, com a confiança, com a libertação de traumas… O descrédito diante dos grandes ideais coletivos acabam levando grande parte dos jovens a viver somente no presente, ou preocupados com um futuro muito próximo, na cultura do descartável.
NOVAS EXPRESSÕES DA VIVÊNCIA DO SAGRADO: Há a busca de uma espiritualidade que dá unidade e gosto à vida. Trata-se, porém, de uma religiosidade mais individual. Daí, muitos jovens procuram razões para viver sem envolver-se com uma “Igreja”. Trata-se de uma espiritualidade centrada na pessoa e não a partir de uma vivência comunitária, algo que satisfaça suas necessidades.
CENTRALIDADE DAS EMOÇÕES: Se antes se exaltava a razão, hoje se acentua a emoção. Em si o acento da emoção não é mau, mas a sua absolutização leva aos fundamentalismos. Daí o crescimento do neopentecostalismo, que acentua a subjetividade e o alimento afetivo em sua metodologia de evangelização. “A religião deixou de representar o espaço da relação do crente com Deus para se transformar em veículo de ascensão social ou em promessa de felicidade plena” (W. Castillo).
- Adolescência e Juventude
Nas estatísticas brasileiras, cujos parâmetros normalmente seguem os parâmetros internacionais, a juventude é considerada o grupo etário de 15 a 24 anos. No recenseamento geral da população, em 2000, estavam nessa facha etária cerca de 34 milhões de pessoas, o que corresponde a 20% da população brasileira.
Se acrescentamos a esse contingente os indivíduos de 25 a 29 anos, definidos como “jovens adultos”, teríamos um total de 47 milhões.
A juventude brasileira é marcada por uma extrema diversidade e manifesta as diferenças e desigualdades sociais que caracterizam a nossa sociedade.
O Documento 85 diz que no cenário do mundo juvenil, no nosso tempo, destacam-se três marcas: “o medo de sobrar, por causa do desemprego, o medo de morrer precocemente, por causa da violência, e a vida em um mundo conectado, por causa da Internet” (n. 34).
“A noção de adolescência, construída pela Unicef, que também é adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e para efeito de políticas públicas, delimita a idade dos 12 a 18 anos incompletos. Apresenta a adolescência como ‘fase específica do desenvolvimento humano caracterizado por mudanças e transformações múltiplas e fundamentais para que o ser humano possa atingir a maturidade e se inserir na sociedade no papel de adulto’. No entanto, considera que ‘ é muito mais que uma etapa de transição, contemplando uma população que apresenta especificidades, das quais decorrem uma riqueza e potencial únicos’. É preciso considerar a adolescência na sua condição de grandes diversidades e desigualdades, em seus espaços naturais, culturais e sociais” (M. Virgina de Freitas, Juventude e adolescência no Brasil – referencias culturais).
Será importante considerar como o Diretório Nacional de Catequese se refere à adolescência:
“A adolescência, bem orientada, é um dos alicerces para o desenvolvimento de uma personalidade equilibrada e segura. Neste período o adolescente cresce na consciência de si mesmo, de suas possibilidades, sentimentos, dificuldades e das transformações que estão acontecendo em sua vida. Isso pode ocasionar desajustes emocionais e comportamentais, com os quais nem sempre saberá lidar. A característica principal dessa idade é o desejo de liberdade, de pensamento e ação, de autonomia, da auto-afirmação, de aprendizagem do inter-relacionamento na amizade e no amor. Esta fase tão turbulenta, nem sempre recebe os devidos cuidados pastorais, ocasionando um vácuo entre a Primeira Comunhão Eucarística e a Confirmação. Urge para os adolescentes um projeto de crescimento na fé, do qual eles mesmos sejam protagonistas na descoberta da própria racionalidade, no conhecimento e encantamento por Jesus Cristo, no compromisso com a comunidade e na coerência de vida cristã na sociedade” (n. 195).
- A inspiração da catequese para adolescentes
A Catequese para adolescentes insere-se no Itinerário de Iniciação à Vida cristã – um processo de inspiração catecumental, que tem sempre como partida o encontro pessoal com Jesus Cristo.
Penso que uma página do Evangelho é capaz de nos ajudar a descobrir o “jeito” para levar adolescentes e jovens à experiência do encontro com o Senhor e, a abertura à sua Palavra e sua graça. Trata-se do encontro de Jesus com a mulher samaritana ( Jo 4, 5-42). Pois “não homem nem mulher que, na sua vida, não se encontre, como a mulher da Samaria, ao lado de um poço com uma ânfora vazia, na esperança de encontrar que seja satisfeito o desejo mais profundo do coração, o único que pode dar significado pleno à existência” (CNBB Doc 107,11).
Os adolescentes também se encontram à beira do poço, ansiosos por fazer descobertas mais profundas, de valores culturais e espirituais; que, na nossa compreensão somente Jesus pode oferecer em plenitude.
Para o povo oriental o poço é o lugar dos encontros que suscitaram belas experiências de comunhão amorosa. Se no tempo de Jesus, era incomum um homem pedir água para beber a uma mulher, mais ainda se samaritana; com Jesus os tabus se romperam e os preconceitos foram vencidos, pois também Jesus não hesita em revelar a sua sede.
A sede de Jesus é o seu desejo de nos ver seguindo seu caminho.
São muitas as barreiras: sociais, culturais, religiosas e políticas que interferem naquele encontro. Tudo parece indicar um desencontro; entretanto, o evangelista nos revela a disposição de Jesus em dialogar. Ele oferece à mulher, três possibilidades: o dom de Deus, a água viva e aquele a quem naquele momento oferece graça.
O dialogo entre eles parte do termo “conhecer” que se reveste de um significado diferente do comum. Não se trata apenas em “saber”, mas “é experienciar, deixar-se marcar pela presença do outro.
A Samaritana não “conhece” ainda o dom, nem quem é aquele que o pode dar. Tampouco sabe o pedir, mas vai fazer uma experiência capaz de transformá-la.
Nem tudo é compreendido num primeiro momento. A mulher coloca diversas questões que parecem não ter resposta. Ela não ainda não conhece outra água, a não ser a do poço.
Jesus fala de “dom”; e ela reage dizendo que conhece somente o dom dado por Jacó. Ela não consegue alcançar o sentido das palavras de Jesus; mas se interessa pela conversa.
É interessante observar que Jesus parte de algo concreto, aproveita uma situação para alcançar o coração daquela mulher. Aparentemente trata-se de resolver a questão de como retirar a “água viva”. A mulher refere-se aos antepassados, Jesus se concentra no presente. A mulher se interroga diante das circunstâncias, Jesus aponta para os desejos.
Os adolescentes nem sempre tem clareza dos seus sentimentos, vivem um conflito com os padrões herdados e as sugestões que os cercam, vivem á espreita de novidades, são movidos pelo desejo de descobertas. Anunciar lhes o Evangelho devera ser um exercício de escuta, ao mesmo tempo fazer da catequese o anuncio da “água viva”, o abeirar-se daquela fonte cuja água é capaz de saciar a sede.
Como poderia aquela mulher, se bebesse da água que Jesus lhe daria, tornar-se fonte de água abundante a jorrar para a vida eterna? A resposta começará a aparecer em Jo 7, 37-39. Para saciar-se será necessário crer.
Num segundo momento, o evangelista faz emergir do diálogo de Jesus com a samaritana a referencia aos “maridos” da samaritana. A samaritana se dá conta que, para receber a água viva é preciso tomar consciência dos seus descaminhos, das suas infidelidades e pecados. É preciso mudança de vida. É preciso conversão.
É necessário compreender que nem sempre as “propostas” de felicidade se cumprem. Tomar consciência dos “ídolos” que contaminam a vida e a escravizam. Não são poucas hoje as propostas que seduzem os adolescentes; no encontro com Jesus é preciso dar-lhes “nome” e, estar disposto a empreender o caminho da conversão que conduz à “água viva”.
Jesus levando a frente a conversa com a samaritana fala do culto, do lugar onde Deus pode ser encontrado, para, a partir daí revelar do desejo de Deus de ser descoberto como Pai e, tornar o culto um culto que envolve espírito e vida.
Os adolescentes hoje têm muita dificuldade para aceitar uma religião, para distinguir o Cristianismo de outras religiões. Para eles, a felicidade deve ser “aqui e agora”, e não numa vida após a morte. Querem escolher os artigos religiosos mais adequados para si; por ser uma escolha privada e, pelo fato de acreditarem que todas as religiões que a mesma importância, o Cristianismo tornou-se uma entre tantas outras, que cabe a cada um escolher conforme lhe agrada. Para eles também, a verdade não vem da doutrina, nem sequer do ensinamento transmitido pela tradição, mas da utilidade que a religião tem na vida concreta.
Ao partir das realidades concretas e humanas da samaritana, Jesus conduziu o diálogo ao seu ápice: “Sou Eu que estou falando contigo” (Jo 4,26). Jesus responde a todas as questões que a samaritana trazia consigo e é a partir delas que Ele revelou-se como Aquele que é portador da água capaz de saciar definitivamente a sede humana.
A samaritana vai para a sua cidade anunciar: “vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz” (Jo 4,29). Foi o mesmo que ocorrera com André que vai chamar seu irmão Simão (Jo 1,41) e entre Felipe e Natanael (Jo 1, 45). Nos três casos, eles e ela se maravilharam com o Senhor e foram comunicar isso a outros. Tal maravilha desperta a esperança: “Não será Ele o Cristo?” (Jo 4,30).
Também os samaritanos têm sede. Percebem pelo anuncio da mulher, que algo de essencial lhes faltava. Daí, “saíram da cidade ao encontro de Jesus” (Jo 4,30).
Muitos samaritanos “creram em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava” (Jo 4,39). A fé nasce do encontro com ele. Mas tudo começou com um testemunho.
Também hoje a fé só pode ser transmitida se for sustentava pelo testemunho. E, a formação cristã só toca o coração das pessoas se ela parte de “tudo aquilo que eu fiz”, se parte da realidade em que vivem as pessoas e é capaz de iluminá-la com a luz do Evangelho.
Os samaritanos “perdiam que permanecesse com eles” (Jo 4,40). Foi o mesmo que aconteceu com os primeiros discípulos: “foram, viram onde morava e permaneceram com ele naquele dia” (Jo 1,39). O evangelista diz que Jesus permaneceu com eles durante dois dias. E, assim, “muitos outros ainda creram por causa da palavra dele” (Jo 4,41). Viveram uma experiência pessoal, que é a base da fé que vai gerar um processo contínuo de crescimento.
Esse encontro de Jesus com a Samaritana é exemplo perfeito da maneira como Ele se faz conhecer àqueles que o procuram. Ele se faz conhecer progressivamente, como acontece na Iniciação à Vida Cristã. Lentamente, a mulher vai descobrir quem é Jesus. No início do diálogo, Ele era simplesmente um “judeu” (Jo 4,9), depois ela descobre que ele é um “profeta” (Jo 4, 19), quando lhe diz que precisamos adorar Deus em espírito e verdade, o próprio Jesus revela que é o “Messias” (Jo 4,26). No final do encontro, os samaritanos o reconhecem como “Salvador” (Jo 4,42), ponto de chegada da revelação.
- Os paradigmas para a catequese dos adolescentes
Antes de tudo a catequese deve partir da realidade que vive os catequizandos. É importante a atenção para os fenômenos sociais, políticos, históricos em que vivemos; pois, a partir deles podemos nos aproximar das pessoas e anunciar-lhes uma palavra que “tem utilidade para a vida concreta”.
O anuncio do Evangelho tem que ser sempre um anuncio “personalizado”; que ajuda as pessoas a compreender a sua própria existência e o mundo onde estão; de outra forma, não seria evangélico.
É importante que tenhamos consciência do que lhes é transmitido na escola, nas mídias, no grupo de amigos. É necessário que compreendamos a linguagem deles, a razão da inquietação que muitas vezes ultrapassa o limite.
É a partir desta realidade que devemos elaborar o anuncio da Palavra de Deus, de tal forma que ela se “encaixe” na vida deles.
A catequese dos adolescentes tem que ter alguns ingredientes indispensáveis: o primeiro dele o caráter de novidade (não pode ser, portanto, repetição de fórmulas que eles já sabem), de surpresa.
O Papa Francisco diz que com a sua vinda, “Cristo trouxe consigo toda a novidade. Com a sua novidade, ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-lo, e surpreende-nos coma sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloqüentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a ação evangelizadora da Igreja é sempre “nova” (EG 11).
Um segundo aspecto para a catequese com os adolescentes é que o anuncio seja um anuncio apaixonante, acompanhado por um testemunho de fé repleto de alegria. Vimos, num primeiro momento da nossa reflexão que a realidade onde vive os adolescentes é marcada pela emoção. A emoção é um elemento importante também no anuncio do Evangelho. Devemos anunciar Alguém que é capaz de apaixonar as pessoas; mas, isso somente será possível se nosso testemunho for coerente com a Palavra Dele e, for um testemunho de alegria.
É ainda Francisco que nos fala: “Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados” (EG 6).
E, por fim, a catequese para os adolescentes tem que ter a coragem de ajudá-los a discordar das propostas e valores que não correspondem ao Evangelho. Trata-se de ajudar as novas gerações a tornarem-se “contra-corrente”; a se opor aos sistemas que geram exclusão, marginalização das pessoas, às custas da corrupção; que seduz com o fascínio das drogas e da prostituição, que separa o conhecimento do bem, do justo, do nobre; que não cuida da vida ainda no seio da mãe, que ameaça a casa comum, não garantindo a vida para as futuras gerações.