A assembleia do Sínodo para a Amazônia foi encerrada e, na saída da sala de aula sinodal, havia rostos felizes, algo destacado pelo Padre Giacomo Costa, Secretário de Comunicação do Sínodo, para os jornalistas que lotavam a Sala de Imprensa do Vaticano.
Uma sensação também presente no Papa Francisco, ele não hesitou em falar com jornalistas, agradecer e dizer que informemos bem, respondendo até algumas perguntas da maneira mais natural possível e insistindo que ele estava feliz e satisfeito. Entre as muitas reações daqueles que deixaram a sala de aula, quero destacar a de Dom Erwin Kräutler, missionário na Amazônia desde 1965, o que merece o maior respeito, que se disse “muito feliz e esperançoso”, uma clara prova de por onde tem ido o Sínodo.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Essa é uma sensação relatada no documento votado esta tarde, no qual os 181 eleitores aprovaram todos os parágrafos com a maioria necessária de dois terços. Na assembleia sinodal reinou um ambiente fraterno e de escuta, e à primeira vista se destaca a palavra conversão, atitude necessária para quem deseja construir novos caminhos. Nesse ponto, o cardeal Czerny insistiu na conferência de imprensa, dizendo que “sem conversões não há novos caminhos” e, portanto, “não podemos continuar a responder da mesma maneira a esses problemas urgentes”. O cardeal disse que “se estamos dispostos a enfrentar um problema, precisamos mudar, mudar o coração”.
O documento, dividido em cinco capítulos e 120 parágrafos, reúne as impressões gerais dos participantes desse processo sinodal, não apenas daqueles que estiveram presentes na assembleia, mas de tantos outros que participaram de um processo de escuta que, com a passagem do tempo, foi demonstrado como determinante, porque captou a voz da Amazônia.
A Amazônia é uma fonte de vida, mas, ao mesmo tempo, é “uma beleza ferida e reformada, um lugar de dor e violência”, expressa no clamor da terra e no grito dos pobres. Nesse sentido, Dom David Martínez de Aguirre repetiu as palavras ouvidas a um indígena: “a extração de ouro está mais próxima de nossas comunidades do que a Palavra de Deus”. Este é um “grito de asfixia, manifestado na face dos povos indígenas, preocupado com os territórios, que são a vida dos povos”, segundo o bispo de Puerto Maldonado, que de todo o processo sinodal fica com duas imagens, a do Papa Francisco com os povos indígenas em Puerto Maldonado e na procissão do início da assembleia, “empurrando os bispos a entrar na sala de aula sinodal”.
Nessa situação, a Igreja, reconhecendo erros históricos, quer “se diferenciar das novas potências colonizadoras escutando os povos da Amazônia, a fim de exercer sua atitude profética com transparência”. Ao mesmo tempo, somos convidados a uma conversão integral, que se traduz em “uma vida simples e sóbria” e que deve ser pessoal e comunitária.
Os novos caminhos da conversão pastoral exigem “melhorar o anúncio da boa nova”, nas palavras de Czerny, e de acordo com o documento uma Igreja em saída missionária, definida como samaritana, misericordiosa, solidária, em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural. Essa conversão pastoral quer realizar uma Igreja que “sirva e acompanhe os povos amazônicos”, uma Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente, migrante e jovem, uma Igreja que precisa responder aos desafios da pastoral urbana, em uma região onde 80% da população vive na cidade, com base na espiritualidade de escutar e anunciar. Essa conversão pastoral é concretizada em elementos da Amazônia, como as equipes itinerantes.
A participação dos povos indígenas, tanto no processo de escuta quanto na assembleia sinodal, ajudou a descobrir a necessidade de uma conversão cultural, que exige que as identidades “sejam reconhecidas, respeitadas e promovidas na Igreja e na sociedade”, afirmando o documento a existência entre os povos amazônicos de sementes do Verbo, de uma visão integrativa da realidade, que contrasta com a fragmentação do pensamento ocidental.
No documento, “a Igreja se compromete a ser aliada dos povos da Amazônia para denunciar os ataques à vida”, deixando claro de que lado está. Também pressupõe a necessidade de inculturação e interculturalidade, que supera o colonialismo, e promove, com base na realidade e nas tradições do povo, novos modelos no campo da saúde, educação e comunicação.
Meses atrás, o Papa Francisco definiu o Sínodo para a Amazônia como filho da Laudato Si´, que é a base da conversão ecológica, uma vez que “a crise ecológica é tão profunda que, se não mudarmos, não conseguiremos nada”, insistiu o cardeal Czerny. O documento reconhece as ameaças contra o bioma amazônico e seus povos, algo que considera escandaloso, e coloca como desafio a criação de novos modelos de desenvolvimento justo, solidário e sustentável. A evangelização, especialmente na Amazônia, deve ter uma dimensão socioambiental que torne real uma Igreja que cuida da Casa Comum, uma Igreja pobre, com e para os pobres. Nesta conversão, o documento fala de pecado ecológico, chegando a propor ministérios especiais para os cuidados da Casa Comum, e também aparece, especificamente no número 85, a criação de um observatório socioambiental pastoral, ligado ao Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, corroborado pelo Papa em seu discurso final.
O último capítulo do documento aborda os novos caminhos da conversão sinodal, uma atitude que alguns já definem como a grande contribuição do Papa Francisco para a história da Igreja. Essa sinodalidade significa “aprender melhor a ser Igreja, caminhar juntos para envolver cada vez mais pessoas nessa caminhada”, de acordo com o cardeal Czerny, que diz, referindo-se às palavras do papa Francisco, que “a tradição não é um objeto para manter em museu, mas um recurso para o futuro”, reconhecendo que “nos concentramos em nossas tradições para encontrar um caminho para o futuro”. Essa sinodalidade é guiada pelo Espírito, que incentiva a Igreja a caminhar juntos, a promover o diálogo, a escuta, o discernimento, o consenso e a comunhão, que possibilitam espaços e modos de decisão conjunta, superando o clericalismo e dando acesso a mulheres.
Em relação às mulheres, o documento pede que sua voz seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem da tomada de decisão. Pela primeira vez, solicita-se que as mulheres recebam institucionalmente os Ministérios do Leitorado e do Acolitado e que seja criado o ministério instituído da “mulher líder da comunidade”, reconhecendo que esteve muito presente no Sínodo, resultado do processo de escuta, o diaconato permanente para as mulheres, algo que o Papa se comprometeu, em seu discurso final, a “pegar a luva para que possamos ser ouvidas”. O Papa diz que a parte da mulher no documento “fica aquém” e que “o papel da mulher na Igreja vai além da funcionalidade”.
A ministerialidade é algo que deve ser fortemente promovido, deixando muitas possibilidades em aberto para os bispos nesse campo. Ao se falar em vida religiosa, destaca-se a intercongregacionalidade, que permite permanecer “onde ninguém quer estar e com quem ninguém quer estar”. O documento também trata do diaconato permanente e da necessidade de formação inculturada nos seminários. Uma das grandes questões nos últimos meses foi a da Eucaristia, relacionada ao viri probati, expressão que não aparece no documento.
Nesse sentido, o número 111, que é o que tem menos votos a favor, 128, baseado no Lumen Gentium 26, pede “ordenar sacerdotes a homens da comunidade adequados e reconhecidos, que tenham um diaconato frutífero e recebam uma formação adequada para o presbiterado, pudendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã por meio da pregação da Palavra e da celebração dos sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica”. Entre os novos caminhos para a sinodalidade eclesial, fala-se de um organismo eclesial regional pós-sinodal, para o qual seus membros já foram escolhidos, e um rito para os povos originários, para ajudar no processo de inculturação da fé, com suas próprias línguas.
A assembleia sinodal terminou, mas “este é um caminho que continua”, algo reafirmado pelo padre Costa. Agora, como o Papa apontou na sala sinodal, vamos nos centrar nos diagnósticos, superando pequenas questões disciplinares, para que a sociedade cuide de tudo o que foi descoberto neste Sínodo. Não vamos seguir os interesses daqueles a quem Francisco se referiu como elites católicas, “que querem ir para a pequena coisa e esquecer a grande coisa”, daqueles que “porque não têm coragem de estar com o mundo, pensam que são com Deus, porque eles não têm coragem de se comprometer com os homens, dizem que se comprometem com Deus, porque não amam ninguém, pensam que amam a Deus”. Agora temos que esperar a exortação pós-sinodal, que é realmente a que conta, e que o Papa disse que planeja escrever antes do final do ano. Espero que aqui ele encontre um bom material para continuar a reforma da Igreja.